Por Julio Marques e Rafaela Dalvi
Augusto Ruschi (1915-1986) foi um renomado cientista brasileiro com projeção nacional e no estrangeiro. Sabe-se que existem correspondências ainda não catalogadas de valor histórico, cultural e científico que registram relevantes colaborações com cientistas internacionalmente reconhecidos tais como Konrad Lorenz (1903-1989), o pai da Etologia e o Prêmio Nobel em 1973, e Jacques Vielliard (1994-2010) que morreu dedicando-se a criação de um Arquivo Sonoro da Amazônia. Este último cientista registrou o seguinte sobre Ruschi (1915-1986):
Entre todas as aves, os beija-flores são notáveis por várias das suas características de vida: eles se alimentam do néctar das flores pairando no ar e são os únicos seres capazes de voar à ré; eles podem enxergar a luz ultravioleta que sinaliza certas flores; [...] Um aspecto pouco conhecido da vida dos beija-flores é seu sistema de comunicação sonora. [...] O registro dessas vozes requer o uso de gravadores e microfones de alta sensibilidade e fidelidade. Pesquisas iniciadas no Brasil em 1973, por mim, com o apoio de Aristides Pacheco Leão, então presidente da Academia Brasileira de Ciências, e Augusto Ruschi, fundador do Museu de Biologia Mello Leitão em Santa Teresa (ES) – até hoje o único centro de estudo dos beija-flores no país –, resultaram no maior acervo existente sobre as vocalizações dessas aves. Essas gravações incorporam o Arquivo Sonoro Neotropical no Laboratório de Bioacústica da Unicamp, onde são analisadas. [...] Esta pesquisa só foi possível graças à iniciativa de alguns cientistas de colaborar livremente entre eles. De um lado, este pesquisador, com o Laboratório de Bioacústica da Unicamp, onde são arquivados os dados relativos à biodiversidade; [...]. (VIELLIARD, 2000, grifo dos autores).
Augusto Ruschi (1915-1986) foi reconhecido com o título póstumo de Doutor Honoris Causa em 2015 pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e tem sido homenageado ao ter seu nome em escolas, monumentos, praças, ruas e outros espaços públicos no Estado do Espírito Santo e no país. Um exemplo disso é o Museu Zoobotânico Augusto Ruschi do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Passo Fundo. Também tem sido objeto de pesquisa, sendo que em 2017 foi tema do trabalho nomeado por “Os ‘últimos refúgios’ da natureza primitiva: as reservas florestais nas estratégias de pesquisa e de militância ambiental de Augusto Ruschi (1940-1970)” apresentado no Simpósio Nacional de História da Universidade de Brasília (UnB) por Alyne dos Santos Gonçalves (UFES).
Foi um dos maiores defensores da Amazônia contra o desmatamento no período militar (1964-1985) e se notabilizou pela forma assertiva e combativa com que militava pela preservação do patrimônio natural e da vida. Ruschi (1915-1986) teve papel fundamental na criação de Unidades de Conservação no Estado do Espírito Santo, além de alertar a sociedade sobre os impactos ambientais de grandes projetos industriais e os riscos de desertificação no norte do Estado. Produziu uma obra escrita com 450 trabalhos e 22 livros, fundou duas instituições científicas, o MBML, que inclui a Estação Biológica de Santa Lúcia, e a EBMAR uma fundação, a Fundação Brasileira de Conservação da Natureza; além de várias reservas, entre as quais o Parque Nacional do Caparaó, e produziu um dos maiores acervos de informações existentes sobre a floresta Atlântica.
Sua carreira inicia ainda jovem, com o aceite para pesquisar junto aos institutos nacionais sediados na capital do país (então, cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro). Passou a residir nessa cidade, no então Estado da Guanabara, e foi Professor da Universidade Federal do Brasil (atual UFRJ), em 1937, aos 22 anos. Neste período, o jovem investigador esteve sob orientação do Professor Cândido Firmino de Mello Leitão, um renomado cientista brasileiro especialista em aracnídeos, o qual contribuiu para o seu aperfeiçoamento científico e para o desenvolvimento de suas pesquisas.
Augusto Ruschi (1915-1986) prestou serviços, também, ao Ministério da Agricultura, Ministério da Educação e Governo do Estado do Espírito Santo. Nos anos 1940, assessorou a Secretaria de Agricultura do Espírito Santo, desenvolvendo a Política de Preservação do Meio Ambiente. Como resultado deste trabalho, foram implantadas diversas Unidades de Conservação.
Conhecido por “pai dos beija-flores”, Ruschi (1915-1986) registrou uma significativa obra escrita sobre animais, além de estudar também sobre outras aves, ecologia da Floresta Atlântica, morcegos, macacos, bromélias, orquídeas e impactos ambientais. Também foi defensor da cultura e dos direitos das minorias indígenas, pois acreditava na memória cultural dos povos indígenas na utilização da flora e da fauna na cura de enfermidades e em aplicações cotidianas. A respeito disso, o site do Instituto Socioambiental sobre o programa Povos Indígenas no Brasil indica que Augusto Ruschi (1915-1986) teve papel determinante na demarcação de terras indígenas:
Ao estudar os diferentes ecossistemas do Espírito Santo em 1954, o biólogo Augusto Ruschi se defrontou em Caieiras Velhas, na margem esquerda do rio Piraquê-Açu, com “80 índios Tupi-Guarani”, vivendo numa área de 30.000 hectares de florestas virgens. Já em 1971 o mesmo Ruschi lamentava a forma como era arrasada a flora e a fauna, com o desmatamento atingindo os índios, pois mais de 700 famílias, entre índios e posseiros, foram desalojados da região reflorestada pela Aracruz Florestal. Foram destruídas antigas aldeias Tupiniquim como Araribá, Amarelo, Areal, Batinga, Braço Morto, Cantagalo, Guaxindiba, Lancha, Macaco, Olho d'Água e Piranema. Os índios até hoje relatam as cenas de violência e desrespeito que sofreram nas áreas visadas pela Aracruz Florestal. Em 1975, a Funai reconheceu a presença dos Tupiniquim no Espírito Santo. O processo administrativo de identificação das terras indígenas foi conflituoso, gerando inúmeras denúncias de índios, associações e organismos diversos, a respeito dos prejuízos causados por um acordo estabelecido entre a Funai e a Aracruz Celulose, em 1980, quando os limites das três Terras Indígenas foram definidos, culminando na homologação de cada uma dessas áreas em 1983. (FREIRE; INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 1998).
Ruschi (1915-1986) também iniciou a discussão sobre os efeitos poluidores de agrotóxicos sobre os ecossistemas e outros efeitos decorrentes do seu uso. Publicou trabalhos sobre o assunto e denunciou os perigos do uso do DDT (diclorodifeniltricloroetano). Porém, sua grande paixão e suas mais importantes investigações científicas versaram acerca dos beija-flores, das orquídeas e das demais plantas polinizadas por estes pássaros. A bibliografia sobre o tema era escassa e Ruschi (1915-1986) dedicou a maior parte do tempo de sua vida ao levantamento de dados científicos sobre esta família de aves, chegando a reproduzi-los e em cativeiro e domesticá-los, tendo recebido notoriedade mundial pelos seus estudos.
Editou cerca de 400 números do Boletim do MBML, de sua autoria, e duas teses principais, uma sobre as Reservas Ecológicas e outra sobre o Desenvolvimento Agrícola Auto-sustentável em Florestas Tropicais. Dentre os livros publicados por Ruschi, os mais conhecidos são “Aves do Brasil vol. I e II”, “Beija-flores do Espírito Santo”, “Beija-flores do Brasil vol. I e II”, “Fitogeografia do Estado Espírito Santo”, “Orquídeas do Espírito Santo” e “Agroecologia”. Cabe destacar que em 1946, o Arquivo Público do Espírito Santo publicou “Orquidáceas novas do Estado do Espírito Santo”, de Augusto Ruschi (1915-1986) juntamente com outros trabalhos. (ALDABALDE, 2015, p. 97).
Cabe destacar ainda que Ruschi (1915-1986) foi um dos pais da educação ambiental no país, pois a conservação da natureza esteve associada ao esforço por conscientização da importância do universo natural entre as crianças. Sendo assim, juntamente com seu filho desenvolveu o projeto que hoje é mantido de forma independente pela EBMAR.
A notícia de seu falecimento em 03 de junho de 1986 e as prévias tentativas de cura de sua doença por rituais indígenas foram noticiadas internacionalmente pelas seguintes fontes de informação:
THE TOWN Talk. Witch Doctors Try to Cure Naturalist. Alexandria, Louisiana: Associated Press, 24 jan. 1986. p. 20.
RIDING, Alan. Shaman And The Dying Scientist: A Brazilian Tale. Rio de Janeiro: The New York Times, 4 fev. 1986.
THE NEW York Times. Shamans Fail a Scientist. Rio de Janeiro: Associated Press, 4 jun. 1986.
ORLANDO Sentinel. A naturalist who witch doctors tried... Augusto Ruschi, 70. Rio de Janeiro: Orlando Sentinel, 4 jun. 1986.
LOS ANGELES Times. Augusto Ruschi, 70; Brazilian Naturalist. Rio de Janeiro: From a Times Staff Writer, 6 jun. 1986.
O sepultamento ocorreu no Dia Mundial do Meio Ambiente, 05 de junho, na Estação Biológica de Santa Lúcia, Santa Tereza (ES), onde o cientista realizou várias pesquisas.
Após seu falecimento, a Câmara dos Deputados concedeu-lhe o título de “Patrono da Ecologia do Brasil”, conforme a Lei Federal N° 8.917, de 13 de julho de 1994 (BRASIL, 1994). Foi homenageado também pela Casa da Moeda do Brasil, em 1989 e posteriormente em 1990, como a efígie das cédulas de NCZ$ 500,00 (quinhentos cruzados novos) e CR$ 500,00 (quinhentos cruzeiros).
Atualmente a fundação The Internet Archive mantém diversas obras associadas com Ruschi (1915-1986) dentre as quais se destacam as seguintes:
SKUTCH, Alexander Frank. The life of the hummingbird. Crown Publishers: New York, 1973. English. Illus.
FIELD Museum of Natural History. Bulletin. The Museum: Chicago, 1966-1972. English. v. 39.
MISSOURI Botanical Garden. Novon a journal of botanical nomenclature from the Missouri Botanical Garden. Missouri Botanical Garden: St. Louis, MO, 1991. English. v. 20.
WORLD Conservation Monitoring Centre; IUCN. 1997 United Nations list of protected areas. IUCN/UICN: Gland, Switzerland, 1998. English; French; Spanish. v. 1997.
AMERICAN Entomological Society; ACADEMY of Natural Sciences of Philadelphia Entomological news. American Entomological Society: Philadelphia, 1895-1927. English. v.
1925.
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